Você está na Trilha 4 Passos · Passo 2 de 4 – Orçamento que cabe no bolso
Guia prático de orçamento: transformar diagnóstico em decisão
No Passo 1, você fez algo que a maioria evita por anos: enxergou com clareza quanto entra, quanto sai e quanto deve. Agora começa a segunda parte do trabalho: transformar esse retrato em um orçamento que cabe no bolso, que funcione no mundo real e não só numa planilha perfeita por três dias.
Orçamento não é castigo e não é uma lista de coisas que você “não pode”. Um bom orçamento é um roteiro de uso do seu dinheiro: diz, com antecedência, o que cada parte da sua renda deve fazer ao longo do mês. Em vez de descobrir no susto “para onde foi tudo”, você decide antes.
Este Passo 2 tem um objetivo concreto: definir, por escrito, um plano mensal viável, que saiba diferenciar o que mantém sua vida de pé, o que é passado te cobrando e o que é escolha de padrão de vida. É em cima desse plano que o Passo 3 (dívidas) e o Passo 4 (reserva e metas) vão se apoiar.
O que você traz do Passo 1
Para aproveitar bem este passo, você precisa ter, nem que seja em versão rascunho:
- o valor aproximado que entra por mês (salário, bicos, comissões, pensões, benefícios);
- um resumo de quanto sai por blocos (moradia, alimentação, transporte, dívidas, lazer, etc.);
- a lista organizada das dívidas, com saldos e parcelas mensais;
- as três frases de diagnóstico: quanto entra, como sai, quanto você deve.
Se isso ainda está nebuloso, vale voltar ao Passo 1: Diagnóstico financeiro. Orçamento sério em cima de chute vira frustração rápida.
Como se compõe um orçamento na prática
Antes de mexer em números, é útil entender a estrutura. Em essência, um orçamento mensal simples se compõe de quatro blocos:
- Renda líquida: tudo que realmente cai na sua conta no mês (já descontados impostos e contribuições obrigatórias).
- Despesas essenciais: o que garante sobrevivência e funcionamento mínimo da sua vida (moradia, comida em casa, transporte para trabalhar, saúde básica, educação essencial).
- Dívidas e compromissos do passado: empréstimos, cartões, financiamentos, renegociações, acordos.
- Padrão de vida, imprevistos e reserva: lazer, conforto, conveniências, pequenos luxos, margem para imprevistos e início de reserva.
O orçamento é, no fundo, a resposta para três perguntas:
1. O que faço com o dinheiro que entra?
2. Quanto vai para manter o básico, quanto vai para reparar o passado e quanto vai para escolhas de hoje?
3. O que fica de espaço (por menor que seja) para imprevistos e reserva?
Você pode montar isso em papel, em um app simples ou usando a Planilha gratuita de controle financeiro do Guia de Economia Pessoal, que já vem com espaços prontos para essas categorias.
Primeiro ajuste: separar sobrevivência, passado e padrão de vida
O mesmo gasto pode ter peso diferente na sua vida, dependendo do contexto. Por isso, antes de falar em cortes e “economias”, reorganize tudo em três blocos:
1. Sobrevivência (essenciais)
Tudo que mantém você com teto, comida básica, capacidade de trabalhar/estudar e o mínimo de saúde. Aqui entram, por exemplo: aluguel, condomínio, contas básicas, alimentação em casa, transporte essencial, saúde mínima, educação essencial.
2. Passado (dívidas e juros)
Parcelas de empréstimos, cartões, financiamentos, renegociações, acordos. É o que você paga hoje por decisões anteriores.
3. Padrão de vida (escolhas)
Lazer, supérfluos, conforto, conveniências, assinaturas, “mimos”, hábitos que poderiam ser ajustados ou adiados.
Essa divisão não é para julgar, é para que você enxergue com clareza o impacto real de mexer em cada bloco. Cortar mercado tem efeito diferente de cancelar assinatura esquecida ou reduzir delivery.
Ideia central: primeiro garantir a sobrevivência, depois lidar com o peso do passado (dívidas) e, com o que sobrar, ajustar o padrão de vida e começar a pensar em reserva.
Distribuindo sua renda por blocos
Agora você pega a sua renda líquida mensal e faz uma proposta de distribuição entre esses blocos. Não é fórmula fixa, é ponto de partida.
Imagine alguém que ganha R$ 3.000 líquidos por mês. Uma proposta inicial poderia ficar assim:
| Bloco | Proposta inicial | Função principal |
|---|---|---|
| Sobrevivência | R$ 1.600 (≈ 53%) | Aluguel, contas básicas, alimentação em casa, transporte essencial, saúde mínima. |
| Passado (dívidas) | R$ 800 (≈ 27%) | Parcelas e acordos, priorizando o que é mais caro e mais arriscado. |
| Padrão de vida | R$ 450 (≈ 15%) | Lazer, delivery, pequenos luxos, assinaturas. |
| Margem / reserva | R$ 150 (≈ 5%) | Imprevistos e começo da reserva de segurança. |
No seu caso, os números podem ser bem diferentes. O importante é: a soma precisa caber dentro da renda, e a distribuição tem que respeitar as prioridades que você definiu no diagnóstico.
Se, mesmo no papel, já estoura a renda, isso não é um erro do orçamento; é a realidade aparecendo. O orçamento apenas escancara que, do jeito atual, não fecha. A partir daí, você decide o que muda: gastos, dívidas, renda ou uma combinação disso.
Definindo prioridades do seu mês
Orçamento sem prioridade vira lista decorativa. Use o que você viu no Passo 1 e responda com sinceridade:
- Qual é a maior dor hoje? Falta para contas básicas, dívidas sufocando ou sensação de que o dinheiro some?
- O que não pode faltar de jeito nenhum neste mês (aluguel, luz, água, transporte, remédios)?
- Qual dívida ou grupo de dívidas, se tivesse o peso reduzido, liberaria mais fôlego?
Com isso, você cria uma frase guia, por exemplo:
“Nos próximos 3 meses, minha prioridade é não atrasar contas essenciais e reduzir o peso dos cartões.”
Ou:
“Minha prioridade é sair do modo incêndio: parar de depender de cheque especial e pagamento mínimo.”
O orçamento precisa obedecer essa frase. Se não obedece, é só papel.
Detalhando o bloco de sobrevivência
Comece pelo que sustenta a sua vida. Liste, com valores aproximados:
- Moradia: aluguel ou prestação, condomínio, taxas obrigatórias;
- Contas básicas: luz, água, gás, internet mínima necessária;
- Alimentação em casa: média mensal de supermercado, feira, açougue;
- Transporte essencial: para trabalhar e estudar;
- Saúde essencial: plano básico, remédios de uso contínuo, consultas indispensáveis;
- Educação essencial: escola, creche, material realmente necessário.
Some tudo e compare com o valor que você destinou ao bloco “Sobrevivência”. Se esse total passa muito do previsto, a mensagem é clara: o problema não está só no lazer. Sua estrutura de vida está pesada demais para a renda atual. Isso pode exigir decisões difíceis: renegociar aluguel, dividir moradia, rever deslocamentos, cortar serviços que hoje parecem “obrigatórios”, mas talvez não sejam.
Detalhando o bloco das dívidas dentro do orçamento
No bloco “Passado”, use a lista de dívidas do Passo 1. Para cada uma, considere:
- valor aproximado da parcela mensal (quando houver);
- grau de risco (corte de serviço, perda de bem, negativação, juros altos);
- prioridade para os próximos meses.
Some as parcelas e compare com o valor que você reservou para dívidas. Se já está no limite ou acima, o orçamento sozinho não resolve. É sinal de que o Passo 3 – Priorizar e negociar dívidas será fundamental: você vai precisar reorganizar quais dívidas vêm primeiro, quais precisam de renegociação urgente e quais terão que esperar.
Também vale usar, em paralelo, o conteúdo específico de negociação: guia de como negociar dívidas.
Padrão de vida: onde normalmente existe margem
No bloco “Padrão de vida” entram:
- delivery, restaurantes, cafés e saídas;
- assinaturas (streaming, apps, clubes, serviços extras);
- compras de impulso, roupas, presentes, “mimos”;
- serviços de conveniência que poderiam ser substituídos ou reduzidos.
Aqui costuma existir mais espaço de manobra. Em vez de sair cortando tudo de forma radical, siga uma ordem mais racional:
- Eliminar o inútil: assinaturas esquecidas, serviços que você quase não usa.
- Renegociar ou trocar: plano de celular mais adequado, pacote de internet mais simples, alternativas mais baratas.
- Ajustar o que importa: reduzir frequência de saídas, delivery em vez de toda semana, etc.
O objetivo não é zerar o lazer, e sim garantir que ele não esteja roubando o espaço do básico e da sua recuperação financeira.
Orçamento para CLT e para renda variável
A forma de aplicar o orçamento muda um pouco conforme sua renda é estável ou oscilante.
Se você é CLT, com salário fixo:
- organize o mês em torno das datas em que o dinheiro cai;
- defina o que será pago logo que o salário entra (moradia, essenciais, dívidas prioritárias);
- planeje o que fica para a segunda metade do mês (contas menores, lazer, pequenos ajustes);
- separe, assim que receber, o valor que será sua margem/imprevistos, por menor que seja.
Se você é autônomo, PJ, comissões ou bicos:
- acalme as expectativas usando uma média de alguns meses, não o melhor mês da sua vida;
- defina um mínimo vital: quanto você precisa para sobreviver e honrar dívidas prioritárias;
- nos meses melhores, não aumente o padrão de vida automaticamente: use parte do excedente para reforçar caixa e, mais adiante, reserva;
- nos meses ruins, use esse reforço para evitar cair direto em crédito caro.
Em ambos os casos, o orçamento não é previsão perfeita. É um plano que você revisa quando a vida muda.
Criar uma pequena margem e testá-la na prática
Um orçamento que ocupa 100% da renda com contas fixas, sem nenhum espaço para imprevistos, está programado para falhar. A vida não pergunta se você tem “linha de imprevistos” antes de quebrar algo ou exigir uma despesa urgente.
Sempre que houver qualquer possibilidade, separe uma pequena margem para:
- imprevistos do mês (conserto, remédio, taxa inesperada);
- começo da reserva de segurança, que será aprofundada no Passo 4.
Se hoje não existe margem nenhuma, isso é um dado importante: o problema não é “não conseguir guardar”, é a estrutura inteira estar no limite. Nesse cenário, os próximos movimentos passam quase inevitavelmente por renegociar dívidas, ajustar padrão de vida e buscar formas de aumentar renda.
Teste de realidade: seu orçamento sobrevive ao mês?
Antes de considerar o orçamento pronto, faça um teste simples:
- liste o que vence na primeira metade do mês, logo após a principal entrada de renda;
- liste o que vence na segunda metade;
- veja, em cada etapa, se sobra algo ou se você já entra no vermelho antes do fim do mês.
Se o orçamento “quebra” na primeira quinzena, o papel só confirmou o que já acontecia. Se quebra na segunda, significa que você está superestimando sua capacidade de manter o ritmo depois dos primeiros pagamentos.
Isso não é motivo para se culpar, e sim para ajustar: menos promessa, mais aderência à realidade. Na prática, as opções são poucas, porém claras: reduzir gastos em algum bloco, renegociar compromissos, aumentar renda ou combinar essas alternativas.
Como montar o seu próprio orçamento (passo a passo)
Se você quiser um roteiro simples para montar o seu orçamento do zero, pode seguir esta sequência:
- Liste a renda líquida que entra no mês.
- Some os gastos essenciais e veja quanto eles consomem da renda.
- Some o peso mensal das dívidas (parcelas, acordos, cartões).
- Veja quanto sobra para padrão de vida, imprevistos e reserva.
- Ajuste blocos: reduza padrão de vida primeiro, depois reveja dívidas, e só por último mexa na sobrevivência.
- Registre o plano em um lugar claro (caderno, app ou planilha).
Se quiser acelerar esse processo, use a Planilha gratuita de controle financeiro. Ela já vem com campos para receitas, despesas por categoria, dívidas e resumo mensal, o que facilita comparar o que você planejou com o que realmente aconteceu.
Seu orçamento em uma página
Você pode considerar este passo bem encaminhado quando consegue colocar, em uma folha ou tela única, algo como:
– Renda mensal líquida: R$ ____;
– Sobrevivência: R$ ____ (com a lista dos principais itens);
– Dívidas (passado): R$ ____ (com destaque para as mais críticas e o plano de ação);
– Padrão de vida: R$ ____ (já ajustado);
– Margem / início de reserva: R$ ____.
Esse resumo é o seu “contrato” com você mesmo para o mês. Não é prisão, mas referência. A cada decisão diária, você pode olhar para ele e se perguntar: estou reforçando esse plano ou desmontando?
Próximo passo na Trilha: organizar dívidas e prioridades de ataque
Com o orçamento montado, fica muito mais claro quanto das dívidas cabe no seu mês e quais parcelas estão estrangulando o resto da vida financeira.
No Passo 3 da Trilha 4 Passos, o foco deixa de ser “organizar tudo” e passa a ser priorizar dívidas e negociar com estratégia. Em vez de reagir a cada ligação de cobrança como se fosse um desastre isolado, você entra nessas conversas com um plano e números na mão.
Enquanto isso, o guia detalhado como negociar dívidas complementa este passo, mostrando na prática como transformar esse orçamento em argumento sólido nas renegociações.


